The Girl from Ipanema, com Astrud Gilberto O ARRANJO #51 (With english subtitles) (1)
Nova York, começo de 1963
João Gilberto e a sua então mulher Astrud Gilberto estavam num quarto de hotel esperando o saxofonista Stan Getz
para passarem umas músicas, preparando o repertório do disco Getz/Gilberto
João falou com ar de mistério para a Astrud: você vai ter uma surpresa durante o ensaio
Mais tarde, enquanto Stan Getz e João passavam a canção Garota de Ipanema, o João pediu pra Astrud cantar a letra em inglês
Ela até poderia não saber que iria cantar nesse ensaio, mas ela queria gravar essa faixa e tinha se preparado pra isso
Quando terminou, João perguntou o que Getz achava dela cantar essa música no disco e ele foi muito receptivo, gostou da ideia
O produtor do álbum, Creed Taylor, também adorou ter alguém cantando numa língua, segundo ele,
menos exótica do que o português e Astrud dividiu os vocais da faixa com o marido
Era a primeira vez que ela gravava, a primeira vez em que entrava num estúdio pra cantar
O compacto com essa música vendeu mais de um mihão de cópias e ganhou o Grammy de Melhor Gravação de 1964, e ela tinha só 22 anos
Astrud Gilberto virou, pra sempre, The Girl From Ipanema
Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, seja bem vindo
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The Girl From Ipanema é a versão em inglês, escrita por Norman Gimbel, para Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes
Tom e Vinicius compuseram a música para fazer parte de um musical chamado Blimp, que não chegou a ser montado, e a música ficou guardada
Norman Gimbel, um letrista ainda sem muito destaque, seria o responsável pela versão em inlglês,
e o Tom Jobim teve que brigar muito para que Ipanema continuasse na letra
Gimbel argumentava que ninguém conhecia "Aipanima", que o nome lembrava uma pasta de dentes famosa na época, Ipana,
e que a garota deveria estar numa praia mais famosa, como Malibu ou South Beach
Mas, ainda bem, Tom bateu o pé e salvou Ipanema
Argumentou que não era só uma praia ou uma palavra, era peça fundamental do cenário e do espírito da canção
A primeira gravação da música em inglês é do disco Getz/Gilberto, gravado em março de 1963
A versão do disco dura mais de 5 minutos e começa com o João Gilberto cantando toda a música em português, e só depois a Astrud canta em inlgês
Para lançar em um compacto, o produtor Creed Taylor tirou a parte cantada pelo João, diminuiu o solo de saxofone e a faixa ficou com menos de 3 minutos
O que era uma faixa de brazilian jazz, cantada por um homem em português virou uma canção pop, cantada em inglês por uma moça num sotaque irresistível
É essa a versão, a vencedora do Grammy, que eu vou analisar nesse vídeo
UM POUCO DE HISTÓRIA
Filha de pai alemão e mãe baiana, Astrud Evangelista Weinert nasceu em Salvador,
mas logo a família se mudou para o Rio de Janeiro, indo morar em Copacabana, na Avenida Atlântica
Ainda adolescente Astrud frequentava umas reuniões musicais no apartamento de sua amiga Nara Leão, na mesma rua de frente pro mar
Foi lá que ela conheceu um baiano também, que a princípio não fazia o tipo de garoto que ela gostava, mas tocava e cantava divinamente, era o João Gilberto
Quando João descobriu que ela gostava de cantar, ele fez toda a corte possível e passou a acompanhá-la ao violão, algo que ele já não fazia mais, muito menos de graça
Ainda contou com a torcida da mãe da Astrud, que já naquela época achava João Gilberto o maior cantor de todos os tempos
Eles se casaram no começo de 1960, e pela primeira vez desde que chegou no Rio, dez anos antes, João Gilberto tinha que pagar um aluguel, ele não vivia mais de favor na casa de amigos
João Gilberto agora era um homem casado, com filho pequeno, e tava gravando o seu segundo LP para a gravadora Odeon
O disco se chamou O Amor, O Sorriso e A Flor, e com ele se consolidou a Bossa Nova e a sua sonoridade
Nesse mesmo ano de 1960 a Odeon fez um LP compilando algumas faixas do João Gilberto especialmente pro mercado Norte-Americano,
e deu o sugestivo e nada modesto nome de Brazil's Brilliant João Gilberto: começava aí o encontro da Bossa Nova com os norte-americanos
Depois do lançamento do disco Chega de Saudade, todo músico estrangeiro que vinha ao Brasil ficava empolgado com a novidade Bossa Nova
E esse intercâmbio entre músicos ficou ainda mais intenso quando o Departamenbto de Estado dos EUA financiou um Festival de Jazz no Teatro Municipal do Rio de Janeiro
Os grandes músicos que vieram teoricamente para exportar e difundir o jazz no Brasil acabaram fazendo o movimento contrário
A música que eles ouviram nos discos, em reuniãoes e também ao vivo no Beco das Garrafas tinha um frescor,
era muito sedutora, diferente e moderna, e muitos deles voltaram levando discos com as novas músicas brasileiras
Pra citar apenas um exemplo, o grande Dizzy Gillespie já tocava Desafinado nos seus shows em 1961, ele tinha aprendido com o disco do João Gilberto
No ano seguinte o guitarrista Charlie Byrd voltou de uma turnê no Brasil com uma ideia fixa: gravar um disco só de Bossa Nova
Convidou o saxofonista Stan Getz e convenceu Creed Taylor, diretor da gravadora Verve, a produzir o disco,
gravado em apenas um dia, 13 de fevereiro de 1962, numa igreja em Washington transformada em estúdio
A palavra Bossa Nova ainda não estava muito difundida e o disco se chamou Jazz Samba, mas ainda antes do LP sair
o compacto com Desafinado já tinha vendido muito, superando um milhão de cópias: era o primeiro hit da Bossa Nova nos EUA
O LP ganhou o Grammy de Melhor Performance em Jazz, e a partir daí a onda de Bossa Nova só cresceu, especialmente com os músicos de Jazz
No entanto, alguns músicos brasileiros, quando ouviram, torceram o nariz, acharam que o samba ficou meio torto
"Os americanos fizeram pior, a gente tinha que ouvir discos como o do Charlie Byrd tocando Bossa Nova, horrível, horível, terrível"
Getz e Byrd participaram de um importante programa de TV, Perry Como Show, e o apresentador/cantor apresenta a Bossa Nova
"Essa músca vem da América do Sul, eles mandaram uma nova levada de jazz, uma nova batida, e chamaram de Bossa Nova.
A Bossa Nova varreu os países latinoamericanos e agora está sendo popularizada por Charlie Byrd e Stan Gez, em gravações que estão vendendo no mundo todo"
Perry Como ainda pergunta se Bossa Nova pode servir para tocar qualquer standard norte-americano, e Charlie Byrd responde que sim, qualquer standard
E eles começam a tocar uma música dos anos 30, "It Happened in Monterey", Perry Como cantando, e o standard se encaixa perfeitamente no ritmo brasileiro
A Bossa Nova dava esse frescor a qualquer música: brasileira, americana, francesa, não importava, era The New Beat
Quem tava aqui no Brasil criando a Bossa Nova não tinha a real dimensão do sucesso que a música deles tava fazendo,
em 1962 as distâncias eram bem maiores, as comunicações eram lentas
Muitos músicos brasileiros se empolgaram quando o dono da gravadora Audio Fidelity, Sidney Frey,
reservou a noite de 21 de novembro de 1962 no Carnegie Hall para um grande show de Bossa Nova
Eu já contei no programa sobre Samba de Uma Nota Só como a produção desse show foi confusa e como o próprio concerto acabou sendo uma bagunça
Mas houve muita desinformação, ou fake news, sobre o desastre que teria sido o concerto, a revista O Cruzeiro noticiou: A Bossa Nova desafinou nos EUA
Mesmo com toda a desorganização do show isso não é verdade, ou pelo menos menos não foi só isso
O fato histórico é que a visibilidade que a música brasileira teve a partir do Carnegie Hall não encontra paralelos,
a Bossa Nova tava na moda no país que tinha e tem força pra influenciar culturalmente boa parte do resto do mundo
O pessoal da Bossa Nova ainda ficou por um tempo fazendo algumas apresentações em conjunto, mas com o inverno chegando a maioria voltou pro Brasil
Dos grandes artistas ficaram Tom Jobim e João Gilberto hospedados no Hotel Diplomat, perto da Broadway,
Creed Taylor tinha produzido o disco de Stan Getz com Charlie Byrd, depois de novo Stan Getz, agora com Luis Bonfá,
mas faltava fazer o disco que ele sonhava: Stan Getz com os papas, João Giberto e Tom Jobim
Como curiosidade, além do Stan Getz, esses 3 discos têm em comum capas com pinturas de Olga Abizu, uma pintora expressionista abstrata de Porto Rico
As gravações do Getz/Gilberto, como ficou o título do disco foram muito rápidas, o disco foi gravado em apenas duas sessões de gravações
Mas o clima entre João e o Stan Getz nunca foi dos mais harmoniosos, o João xingava o Stan Getz em português pro Tom, diz pra esse gringo filho da p... que...
O Stan getz arregalava o olho azul e perguntava o que o João estava falando, e o Tom, diplomático, desconversava,
dizia que o João tava achando uma honra gravar o disco, mas o Stan Getz não comprava essa versão amaciada
O João chegou a abandonar as gravações, como contou Tom Jobim
"Teve uma hora que o João saiu do estúdio e eu saí atrás dele na neve, com aquelas roupas cariocas na neve.
E eu digo, não, João, agora... e ele disse: 'Eu não gravo com esse cara, não gravo'.
Eu disse não, nós vamos gravar porque nós viemos até aqui, é muito longe aqui
e agora você vai gravar e vai botar esse dinheiro no bolso porque você não é bobo"
O dinheiro previsto para os dois, Tom e João, era 15 mil dólares, pra eles naquela hora era muita grana e o João voltou e gravou o disco
Astrud gravou no segundo dia, cantando as versões em inglês para Garota de Ipanema e Corcovado
Até então ela só tinha cantado em público no último show amador da Bossa Nova, na Faculdade de Arquitetura em 1960, acompanhada pelo marido ao violão
Segundo o livro Chega de Saudade do Ruy Castro, o disco foi gravado e engavetado por Creed Taylor, que parecia não saber como lançar o álbum
Já pela versão de Zuza Homem de Mello no livro Amoroso, Creed esperou que as enormes vendas do Jazz Samba esfriassem, pra evitar que um disco competisse com o outro
O fato é que o disco só foi lançado um ano depois de gravado - e dois anos depois do lançamento de Jazz Samba, o Getz/Gilberto saiu em março de 1964
Mais ou menos ao mesmo tempo do LP saiu o compacto com The Girl From Ipanema, a versão sem os vocais em português do João Gilberto
Esse single chegou ao quinto lugar da parada de música pop da Revista Billboard, a parada Hot 100, e no primeiro lugar da parada Easy Listening
O sucesso dessa faixa puxou as vendas e o prestígio do LP, que ganhou 4 Grammys em 1964, incluindo o de Melhor Álbum do ano dentre todas as categorias
Foi a primeira vez que um álbum de jazz ganhou esse prêmio, e ainda com a co-participação de um músico estrangeiro
Astrud foi indicada para o Grammy de Melhor Performance Vocal feminina, e a partir dessa gravação iniciou uma carreira artística mundial, a princípio cantando com Stan Getz
Depois, com o fim da parceria, seguiu fazendo discos e duetos com grandes artistas como George Michael, que gravou Desafinado com ela para o disco Red Hot + Rio
1. MELODIA