Privatizar é bom ou ruim?
[Jan 7, 2019].
O Brasil tem 138 estatais federais.
Se contabilizadas as empresas que pertencem a Estados e municípios e não só à União, esse total passa de 400.
Parece muito? Pois o número já foi maior: no último grande ciclo de privatizações, nos anos 90, o Brasil vendeu 119 estatais, que geraram cerca de 70 bilhões de dólares em receitas.
Tem gente que acha que foi pouco, tem gente que acha que foi muito.
Nesse bolo, entram desde a venda de geradores de energia e de bancos estaduais a concessão de rodovias e a quebra do monopólio público do setor de telecomunicações, incluindo aí a privatização da Telebrás, a maior do período, que levantou R$ 22 bilhões.
E há desde empresas já considerados eficientes na época, como a mineradora Vale, há estatais que eram bem deficitários, como a Embraer e a CSN, ou seja, não davam lucro: davam prejuízo.
O futuro ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, deixou claro que pretende retomar o ciclo.
Ele não apenas manteve o programa de Temer que propôs, mas não conseguiu, fazer dezenas de privatizações, como criou uma Secretaria Geral de Desestatização para dar fôlego ao processo.
O tema, entretanto, divide não só a opinião pública, mas também os especialistas.
Meu nome é Camilla Veras Motta e nesse vídeo nós vamos discutir as privatizações em 5 perguntas.
Pergunta número 1: só a União é dona de mais de 100 empresas.
Isso é muito?
É difícil achar informações comparáveis sobre as empresas públicas em diferentes países, mas em uma lista da OCDE, com dados de 2015, de 39 países, o Brasil aparece em 4º lugar.
Naquela época eram 134 as estatais, número inferior apenas ao da Índia, da Hungria e da China, que é um caso à parte, com mais de 51 mil estatais.
Mas o que isso quer dizer?
Para o economista sênior da OCDE responsável pela área de monitoramento da economia brasileira, Jens Arnold, o número em si não representa muita coisa.
Ele diz que não existe um número ideal de estatais, contanto que elas tenham bom desempenho e boa governança.
E é aí que ele vê o problema: para ele o excesso de indicações políticas e a falta de metas concretas de performance na maioria das estatais brasileiras tornam a gestão nas empresas públicas, de forma geral, menos eficiente do que no setor privado.
O que nos leva à pergunta número 2: o que aconteceu com as empresas que o Brasil já privatizou?
Um estudo com 102 estatais privatizadas de 1987 a 2000, feito por professores da USP, do Mackenzie e da FGV, com base em 15 indicadores de performance, verificou uma melhora no desempenho, especialmente na lucratividade e na eficiência operacional das companhias.
Para analisar um caso concreto, recorri a um estudo de dois professores da PUC Rio sobre a Vale, privatizada em 97.
Eles analisaram os retornos das ações da empresa nos Estados Unidos e verificaram que elas geraram um retorno nominal em dólar de mais de 3000%, entre 97 e 2011.
Quem comprou ação da Vale naquela época fez bom negócio.
O desempenho não é totalmente mérito da privatização, segundo os pesquisadores.
Ele também reflete o aumento espetacular da demanda da China por minério de ferro no período.
Ainda assim, quando eles comparam os resultados da Vale no período com os de outra empresa do setor de mineração negociada nos Estados Unidos, a australiana Rio Tinto, os números da Vale seguem sendo bastante superiores.
O professor Vinícius Carrasco, um dos autores do estudo, ressalta um aspecto importante que muita gente ignora nesse debate: é que o governo continuou ganhando com a mineradora mesmo tendo se desfeito dela.
De um lado, cobrando impostos sobre todo esse aumento de faturamento observado durante o período, e de outro, recebendo divididos pelo lado do BNDESPar.
Não entendeu?
É que o governo ainda é dono de parte das ações da Vale, uma fatia minoritária, através do braço de participações do BNDES, que é um banco público de fomento: tem mais ou menos 7% das ações da empresa.
Quando a Vale tem lucro, ela distribui parte dele para seus acionistas - e se o governo é um deles, ele também recebe.
Uma das críticas que são feitas à privatização da Vale se personifica no caso da Samarco, uma de suas subsidiárias, e a cidade mineira de Mariana.
Em 2015, a barragem de Fundão da Samarco, com milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro, se rompeu.
Destruiu completamente três municípios, deixou milhares de desabrigados e causou o maior desastre ambiental que o país já viu.
Para os críticos, esse seria um reflexo negativo da gestão pela iniciativa privada, mais focada em cortar cursos para garantir retorno aos acionistas do que em assegurar condições de segurança adequadas em seus empreendimentos.
Quem defende a privatização diz que esses episódios seriam evitados com melhor regulação, que previsse, por exemplo, multas pesadas para punir condutas negligentes, e com boas agências reguladoras capazes de fiscalizar.
Vamos à pergunta número 3: e quando a privatização não funciona?
Às vezes, a privatização acontece, mas a ganhadora do leilão não faz os investimentos previstos em contrato, é pouco transparente, aumenta os preços para o consumidor final e reduz a qualidade dos serviços.
Esses problemas, aliás, estão por trás de mais de 800 casos de reestatização mapeados no mundo pelo Transnational Institute, entre 2000 e 2007.
Ou seja, empresas que foram privatizadas, mas que acabaram voltando para a administração pública.
Eles contabilizaram mais de uma centena de casos de companhias de geração e distribuição de energia na Alemanha, por exemplo, e a reestatização de empresas de água e esgoto em mais de dez cidades francesas, entre elas Paris, Marselha e Bordeaux.
A pesquisadora do TNI Satoko Kishimoto me disse que a próxima atualização do relatório deve contar com o caso no Brasil, o de Itu, no interior de São Paulo.
Depois de dez anos gerido pela iniciativa privada, o serviço de saneamento foi remunicipalizado.
Segundo levantamento do TNI, entre os problemas estão o fato de que a empresa privada não realizou os investimentos previstos no contrato - esta é, aliás, uma das causas apontadas para os problemas pelos quais Itu passou durante o racionamento de água, entre 2014 e 2015 - e o aumento excessivo de preços.
Esse foi um dado, por exemplo, que me chamou a atenção: a gente teve essa discussão grande sobre as empresas de saneamento durante o lançamento do PPI e eu não fazia ideia nem do caso de Itu e nem dos 800 casos que o TNI mapeou.
Pergunta número 4: o que o governo Bolsonaro pretende privatizar?
Saneamento é um dos focos do PPI de Temer e, por isso, deve ser uma das áreas em que as privatizações devem ser retomadas no próximo governo.
Fala-se também da Eletrobrás.
Nesse caso, a privatização também já foi proposta no governo Temer e está parada desde janeiro no congresso.
Mas a nova administração ainda não apresentou um programa concreto de privatizações, então a gente não sabe exatamente o que o governo vai tentar vender ou não.
Outra dúvida também é a possível tensão entre a equipe de Paulo Guedes, que seria amplamente favorável às privatizações, e os militares que estarão no governo, vistos como mais nacionalistas.
O ministro de Minas e Energia, por exemplo, é um militar: o almirante Bento Costa Lima Leite.
Um ex-presidente da Eletrobrás Luiz Pinguelli Rosa pontuou que ele pode não ser exatamente um entusiasta da venda da estatal de energia.
Além disso, há o fato de que Bolsonaro e Paulo Guedes distanciaram mais seus discursos sobre privatização na reta final da campanha: o futuro ministro da economia sempre foi favorável a uma ampla privatização, enquanto Bolsonaro chegou a dizer que uma eventual venda da Petrobras preservaria o seu núcleo e disse que não colocaria Caixa e Banco do Brasil à venda.
Vamos à última pergunta?
5: afinal, é bom ou não ter empresas públicas?
Como você já deve imaginar não existe uma resposta pronta para essa pergunta.
Mesmo quando a gente olha para a experiência internacional, existem países com pouquíssimas estatais, como é o caso dos Estados Unidos, e outros em que as empresas públicas têm um peso forte, como Noruega e Singapura.
A professora da FGV Direito de São Paulo Mariana Pargendler, que estuda a governança das estatais em diferentes países, diz que é uma visão maniqueísta colocar as estatais de um lado, como ineficientes, e as empresas privadas de outro.
Entre os economistas, parte acredita que faz sentido que existam estatais em setores considerados estratégicos.
Seja como mecanismo de promoção e desenvolvimento, como indutora de inovação ou até para manter sob controle do Estado um serviço público essencial, como é o caso do metrô aqui em Londres.
Ou seja, antes de ter respostas prontas, seria preciso olhar caso a caso para avaliar, por exemplo, por que determinadas estatais são ineficientes.
Têm conserto? Não têm?
Outros economistas dizem que o Estado pode promover crescimento econômico sem necessariamente ser dono de empresas, com um bom marco regulatório, boas agências de fiscalização e promovendo a competição.
Se você quiser ler mais sobre esse assunto, a matéria completa está lá no site da BBC News Brasil.
Obrigada e até a próxima!