Guerra do Paraguuai - O Paraguai antes da guerra
O Paraguai antes do conflito
O Paraguai pré-1864 era um Estado autoritário, onde o presidente governava despoticamente, sem quaisquer limites para seus poderes. Não havia uma Constituição (e conseqüentemente, garantias fundamentais) e nem um Poder Legislativo (e, portanto, qualquer forma de representatividade). Existia um Congresso, formado por grandes proprietários de terras, que tinha por única finalidade sacramentar as decisões dos ditadores paraguaios e que era convocado de maneira irregular e somente quando estes últimos assim o desejavam.
Após a morte de Francia e o advento de Carlos Antonio López ao poder do país, tentou-se retirar o Paraguai de seu isolamento e estabeleceram-se contatos diplomáticos e econômicos com a comunidade internacional. Técnicos estrangeiros (principalmente britânicos) foram trazidos com o intuito de modernizar o país, armamentos foram comprados e jovens paraguaios enviados para receberem treinamento na empresa britânica Blyth e Co. Criou-se em Ibicuí, no ano de 1854, uma fundição de ferro, que possibilitou a construção de armamentos militares e ferramentas agrícolas. Engenheiros britânicos construíram uma estrada de ferro no Paraguai, inaugurada em 1856 (a única do país até a guerra e não teve utilização estratégica alguma no conflito). Segundo Francisco Doratioto:
"É fantasiosa a imagem construída por certo revisionismo histórico de que o Paraguai pré-1865 promoveu sua industrialização a partir de "dentro", com seus próprios recursos, sem depender dos centros capitalistas, a ponto de supostamente tornar-se ameaça aos interesses da Inglaterra no Prata. Os projetos de infra-estrutura guarani foram atendidos por bens de capitais ingleses e a maioria dos especialistas estrangeiros que os implementaram era britânica. As manufaturas oriundas da Inglaterra chegaram a cobrir, antes de 1865, 75% das importações paraguaias." A economia do Paraguai era agrária em sua quase totalidade, tendo como produto principal à erva-mate, mas também se exportava madeira, fumo, cigarros e laranja. Em troca, importava-se produtos manufaturados, pois inexistiam fábricas no país que pudesse produzi-los. O comércio exterior era de 560.392 libras esterlinas (a moeda britânica da época). A arrecadação de impostos no final de 1864 estava em torno de 314.420 libras esterlinas e era extremamente deficiente, chegando-se a ponto de acrescentarem também o dizimo das Igrejas. Para efeitos de comparação, a arrecadação do Brasil atingia 4.392.226 libras esterlinas, a da Argentina 1.710.324 libras esterlinas e o Uruguai 870.714 libras esterlinas.
As alegações dos autores revisionistas de que não havia analfabetismo no Paraguai graças a um sistema educacional excepcional e também uma igualdade social são improcedentes. O ensino era deficiente e havia poucas escolas, sendo que somente os homens tinham acesso as mesmas, enquanto as mulheres eram proibidas de aprender a ler e escrever. Existiam escravos no Paraguai, mesmo após a decretação da liberdade de todos os nascituros após 1842, tendo o seu número alcançado cerca de vinte e cinco mil em 1865 e muitos foram forçados a lutar na guerra. A primeira tentativa de colonização estrangeira ocorreu com a vinda de quatrocentos e dez franceses e resultou num grande fracasso, tendo o ministro estrangeiro da França acusado o governo paraguaio de transformar os colonos em escravos. A população paraguaia não atingia mais de 1 milhão de habitantes conforme os revisionistas alegam e sim 318.144, ou 400.000, e no máximo, 650.000 pessoas. A população do Brasil neste momento alcançava cerca de 9.100.000 de habitantes, a da Argentina 1.737.076 habitantes e o Uruguai 250.000 habitantes.
Ao assumir a posição de seu falecido pai, Solano Lopez possuía um exército de 73.273 homens. O exército de fato detinha cerca de 12.945 homens na ativa, além de 16.484 na reserva, e do total, 43.846 não "tinham instrução militar e se resumiam a fazer exercício de ginástica aos domingos, com armas simuladas". Estes números impressionantes são resultados de uma mobilização total para a guerra planejada pelo país e não de um efetivo em tempos de paz. A organização militar era extremamente deficiente, e a "oficialidade paraguaia restringia-se a cinco coronéis, dois tenentes-coronéis, dez majores, cinquente e um capitães e vinte e dois primeiros-tenentes" numa força armada de mais de setenta mil homens. A improvisada esquadra naval paraguaia era formada por quinze navios mercantes convertidos em belonaves. De acordo com Ricardo Salles:
"É certo que contava com um exército de setenta a cem mil homens no início do conflito, mas seus soldados estavam mal equipados. A imensa maioria do armamento de infantaria era ainda constituída por espingardas e carabinas de pederneira e canos de alma lisa, de recarga lenta, curto alcance e pouca precisão. O mesmo se aplicava a artilharia, também dotada quase que exclusivamente de peças de alma lisa. Os oficiais eram mal preparados e o sistema de comando não existia; todas as decisões concentravam-se em López. Os serviços de logística eram muito deficientes. O fornecimento de víveres também era precário, assim como o atendimento hospitalar. A escassez de alimentos, armamentos e munições sempre foi um problema." O Paraguai buscou a solução armada para os conflitos com seus vizinhos num momento em que não tinha capacidade econômica (para sustentar uma guerra de longa duração), nem populacional (para obter novos efetivos), nem militar (equipamento bélico e organização militar obsoletos para um conflito armado moderno) e nem diplomática (seus pretensos aliados, os federalistas argentinos e os blancos uruguaios os deixaram a própria sorte).